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Nosso nunca mais


#ficaadica: Ler escutando A Kiss To Build A Dream On - Louis Armstrong




Ela estava sentada ao lado da janela. Da mesma janela que observava o mundo, as luzes da cidade, os carros nas ruas e o topo das árvores. Naquela noite não havia estrelas, o céu estava escuro demais. Até demais para o começo do outono. Algumas gotas de chuva já dançavam a um ritmo lento no vidro. Ela olhou para o sofá e para a coberta que escondia os pés. A segunda taça de vinho já estava no final. Ela queria chorar, ela queria dormir. Estava cansada de sentir. Aquele desespero, o grito na garganta, o lábio que sentia saudade, o coração inundado de amor e a cabeça cheia de incerteza.

Já eram 20h na "Big Apple". Cidade da imaginação e memórias que ela criava antes mesmo de conhecer. Correu atrás do sonho, fez história e por não esperar o amor, ele a encontrou. Tal sentimento que a inspirava, mas que não parecia ser algo palpável. Pelo menos, não para os dois, que sorriam para vida e andavam em corda bamba, quando o assunto era o coração. As palavras passavam como borrões na sua cabeça. O cheiro ainda estava impregnado na blusa azul de lã. E quando ela pensava em dizer algo, as palavras paravam na garganta e tinham um gosto ácido. Ele sentou ao seu lado e piscou várias vezes, como se os olhos estivessem se acostumando com a sua ausência.

Enquanto ele puxava o ar com força, ela mal ousava respirar. Não existia mais o ontem, nem o amanhã, apenas o agora. Era agora, é agora, será agora, pensava em um ritmo frenético. Ele virou o corpo já com os olhos fechados, como se soubesse o caminho de cor. A beijou delicadamente e ela retribuiu. O carinho terminou da mesma forma que começou, de repente. Finalmente ela disse, beijando sua mão.

-Não era para ser a gente.

-Não, mas isso é nosso – ele respondeu.

Não houve briga, não houve nada, apenas silêncio. Um adeus disfarçado de "fique". A porta se fechando, a lágrima contida finalmente rolando e uma história finalizando. Ela não sabia disso, mas um sentimento verdadeiro quando se enterra, cria raiz.

O relógio da "Grand Central Terminal" marcava 22h do outro lado da cidade. Com uma das mãos, ele segurava a mochila com força. Olhava as inúmeras pessoas, mas só queria uma, só se lembrava de uma. Olhava o copo de café na outra mão, a mesma que foi beijada há pouco tempo quando estava sentado em um sofá. A chuva forte causou calafrio na noite gelada. Respirava fundo e fechava os olhos para se concentrar no próprio ser. Tinha medo da solidão e de nunca mais se sentir daquele jeito. Percebeu o quanto era confuso. Descobriu que o pavor não era por algo que sentia e sim de dizer adeus aquilo. A dor o fazia sentir-se vivo. Caminhou até a plataforma e esperou o trem. Jurou vê-la em sua frente, que a beijou mais uma vez. Engoliu o sofrimento e o colocou em um lugar criado por ele. Uma caixa, dentro de si mesmo, chamada "arrependimento". Ele não sabia que um dia abriria essa caixa e encontraria a maior lembrança de todas.


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